"Noutro dia, a alma do filósofo tinha-se escapado. Há anos que ele a alimentava, estava pura mas cada vez mais consciente, mais quente e, por isso, mais leve. Havia dias que mal a sentia, como se estivesse transparente, translúcida.
As almas não existem e no entanto nós pressentimo-las. Em certos seres, elas esfumam-se permanentemente, noutros, instalam-se obrigando os seus possuídores a severos deveres. Há casos de humanos que abdicam do corpo quase que por completo, outros têm alma mas sem peso, outros têm-nas de birra, vagueiam de cá para lá, de lá para cá... outros têm a alma no corpo, junta com muitos objectos que adquirem. Nesses as almas não choram.
Há almas que esperam sentadas as doze badaladas esquecendo a passagem, choram as horas que não voltam. Estas são as almas tristes.
Os apaixonados têm almas de amor, são as únicas que apanham sol no inverno. Em certos dias, quando o mundo está parado e só o sol brilha, elas sentam-se na esplanada a olhar para o mar. O que é certo é que o filósofo viu a sua alma fugir. Na sua alma estava tudo. Ainda pensou em rezar para que ela voltasse. Olhou fixamente o céu e as estrelas, chegou a pedir ajuda.
Nunca se sabe a verdadeira idade de uma alma. Não são novas nem velhas, são cheias ou vazias tal como as ondas do mar. São cheias quando têm água que se transforma em lágrimas redondas que escorrem grandes e quentes pelo rosto. Constroem caminhos sem margens.
As almas são vazias quando estão secas, têm ar, respiram, mas não vibram... falta-lhes o vermelhão. Noutro dia, de céu azul, o filósofo viu a alma misturar-se com a areia e a espuma do mar. Faziam segredos que ele não compreendeu. O rapaz olhou-o fixamente, tinha dificuldade em ver a alma do filósofo, era transparente, muito transparente, aos poucos as histórias transformam-se noutras histórias de côr e desenho que o filósofo deu ao rapaz. Mas ele apressou-se a caminhar de cá para lá, de lá para cá, para lá, para cá, na alma da alma da alma... de cá para lá..."
Ana Maria