... que apenas existe na minha cabeça, lembrei-me ontem muito do meu querido tio. Deve ser por causa de eu querer mimo e colo e colo e mimo.
O meu tio foi o meu grande companheiro, posso mesmo dizer que ele foi o meu infantário, a minha pré-primária. Ele aturou todas as minhas birras. O meu tio descascava-me as uvas, assim como eu hoje descasco as da minha Bia. Foi o meu tio que me ensinou a estrelar um ovo e a escolher melões (escolher bem um melão é um feito muito importante, este ano tem-me dado um jeito especial, porque há muitos poucos bons melões à venda).
Lembro-me de no meu primeiro dia de aulas, de cabelo à tigela e as pernas a tremer, dizer à minha querida professora que sabia parte dos Lusíadas de cor. Lembro-me do espanto dela e da pergunta algo estranha: Os Lusíadas de Camões? O meu tio ensinou-me o que é um verso e uma estrofe, como são compostos os sonetos e aos 5 anos, eu sabia mesmo as duas primeiras páginas do livro Os Lusíadas de trás para a frente (ainda hoje sei!). Foi ele que me ofereceu o gosto pelas palavras. As palavras que têm sempre dois significados, o imediato e o interior. As palavras podem mudar tanta coisa. Podem fazer alguém feliz... Há palavras que nos beijam!
Lembro-me também, como se fosse hoje, do dia em que o meu tio deixou de estar aqui na Terra. Eu era pequenina, tinha 10 anos. Lembro-me desse dia como nenhum outro da minha vida. Da forma como me deram a notícia. Das lágrimas que chorei... e chorei... chorei. De esse dia em diante comecei uma nova vida, uma vida diferente. Há memórias que o tempo não leva. E há pessoas que fazem história na nossa própria história.
Ontem, por querer muito mimo e colo e colo e mimo, lembrei-me do meu tio. Ontem, adormeci a pensar nele, tenho pena que a Beatriz não o conheça. Mas porque ainda hoje me sabe bem as uvas descascadas, vou continuar a descascar as dela.
Que Deus te tenha e que tu nos guardes, meu pai, tio e amigo.